DISCURSO DE SUA EXCELÊNCIA O PRIMEIRO-MINISTRO DA REPÚBLICA
DEMOCRÁTICA DE TIMOR LESTE KAY RALA XANANA GUSMÃO, NA SESSÃO DE ABERTURA DO 10.º FÓRUM ECONÓMICO
DO MUNDO ISLÂMICO
Sua Excelência Dato’ Sri Najib Tun Abdul Razak,
Primeiro-Ministro da Malásia e
Patrono da Fundação do Fórum Económico do Mundo Islâmico
Sua Alteza Xeque Mohammad, Vice-Presidente e
Primeiro-Ministro dos Emirados
Árabes Unidos e Governante do Dubai
Sua Excelência Nursultan Nazarbayev, Presidente do
Cazaquistão
Sua ExcelênciaMd Abdul Hamid, Presidente da República
Popular do Bangladesh
Sua Excelência Danny Faure, Vice-Presidente da República
das Seychelles
Sua Excelência Xavier Bettel, Primeiro-Ministro do
Grão-Ducado do Luxemburgo
Sua Excelência Dr. Ahmad Mohamed Ali, Presidente do Banco
Islâmico de
Desenvolvimento
Sua Excelência Tun Musa Hitam, Presidente da Fundaçãodo
FEMI
Excelências
Distintos participantes
Senhoras e Senhores,
Assalamu’alaikum. Que a paz esteja convosco.
Em primeiro lugar gostaria de
expressar a minha sincera gratidão a Sua Alteza o Xeque Mohammed bin Rashid Al
Maktoum, Vice-Presidente e Primeiro-Ministro dos Emirados Árabes Unidos e
Governante do Dubai, por me convidar a participar neste evento internacional e
pela forma calorosa como eu e a minha delegação fomos recebidos. Quero também
deixar um louvor ao meu bom amigo do Sudeste Asiático, o Ilustre Dato’ Sri
Najib Tun Abdul Razak, Primeiro-Ministro da Malásia, pelo seu apoio continuado
a este Fórum importante. Quero igualmente transmitir o meu respeito ao antigo
Primeiro-Ministro da Malásia e Fundador do FEMI, o Ilustre Tun Abdullah Ahmad Badawi.
É sem dúvida uma grande honra e privilégio dirigir-me a esta estimada audiência
hoje, neste 10.º Fórum Económico do Mundo Islâmico.
Senhoras e Senhores,
Timor-Leste é uma nação pequena e
muito jovem, situada na encruzilhada da Ásia com o Pacífico. Os portugueses
chegaram ao meu país há 500 anos, em busca de sândalo e de especiarias. Em
resultado disto, somos hoje um país predominantemente católico, com laços
culturais fortes com Portugal. O meu país ocupa metade de uma ilha. A outra
metade pertence à Indonésia, o país com maior população muçulmana do mundo. Em
1975, no seguimento da decisão de Portugal de se retirar de todas as suas
colónias, o meu país foi invadido pela Indonésia, com apoio militar de países
ocidentais. Começou então uma luta difícil de 24 anos, com os timorenses a
combaterem pela sua independência e pela sua liberdade. Travámos uma guerra que
abrangeu todo o nosso território, mas mesmo com mais de 200 mil mortes entre
uma população inferior a um milhão de habitantes nunca utilizámos a religião, a
etnia ou a cultura como ferramenta para provocar medo ou pregar o ódio. Em 1999, após a queda do regime militar
indonésio, o nosso povo votou pela independência. Assim, em 2002 tornámo-nos a
mais jovem nação do mundo. O nosso primeiro governo foi liderado pelo
Primeiro-Ministro Dr. Mari bin Ahmude Alkatiri, um timorense muçulmano que foi
incansável durante décadas de exílio na sua campanha pelo nosso direito à
autodeterminação. Quando alcançámos a nossa liberdade, e ainda que fôssemos desesperadamente
pobres e estivéssemos privados de infra-estruturas e serviços sociais, fizemos
da reconciliação com a Indonésia a nossa prioridade principal. Não foi fácil
perdoar, porém ambas as nações decidiram olhar para a frente em vez de olhar para
trás. Venho aqui hoje, num período de tumultos e conflitos a nível global,
partilhar convosco a nossa história de reconciliação e amizade. É uma história
de esperança e de promessa de parceria entre o mundo muçulmano e o mundo
não-muçulmano. Numa altura em que partes do mundo são dilaceradas pela
intolerância e pela vingança, a Indonésia e Timor-Leste destacam-se como um
exemplo notável de reconciliação e construção da paz, bem como um modelo de
parceria entre nações muçulmanas e não-muçulmanas. Provámos que embora possa
ser mais fácil explorar as diferenças, alimentar o medo e provocar a
hostilidade, a verdadeira coragem está em forjar relacionamentos de amizade e
de cooperação.
Excelências
Distintos participantes
Senhoras e Senhores,
Timor-Leste tem também a sorte de ser
rico em recursos petrolíferos, à semelhança do que acontece com muitos países
nesta região. Tendo apenas 12 anos de idade, enfrentamos muitos desafios e
continuamos a ser um dos países mais pobres da região. É por esta razão que
estamos determinados em gerir os nossos recursos petrolíferos de forma prudente
e transparente, de modo a desenvolver o nosso país e a poupar para as gerações futuras.
Esta transparência não tem constituído uma barreira ao crescimento da nossa economia.
Desde que tomei posse em 2007, Timor-Leste tem tido um crescimento económico
médio de dois dígitos. Em 2005 criámos um fundo de riqueza soberana, o Fundo
Petrolífero, com um saldo inicial de 205 milhões de dólares. Timor-Leste foi o terceiro
país no mundo inteiro e o primeiro em toda a Ásia a receber o estatuto de cumprimento
pleno com a ITIE (Iniciativa para a Transparência nas Indústrias Extractivas).
A partir de 2012 começámos a diversificar os investimentos, sendo que nos três
anos até Agosto último obtivemos um retorno de 2,7 mil milhões de dólares. O nosso
Fundo Petrolífero está actualmente avaliado em cerca de 17 mil milhões de dólares
e continua a crescer a cada dia. Sei que o Dubai começou a desenvolver-se no
final da década de 1970. Em 2011 estabelecemos o nosso Plano Estratégico de
Desenvolvimento, que prevê que em 2030 Timor-Leste passará de um país de baixos
rendimentos dependente do petróleo para um país de rendimentos médio-altos, com
uma economia diversificada e uma população instruída, saudável e próspera. Apesar
de ser o líder da oposição, o Dr. Mari Alkatiri representa o nosso Estado e
está encarregue de um processo muito novo, complexo e desafiante, que consiste
no estabelecimento de uma Zona Económica Especial numa das nossas regiões, com
vista a fomentar o desenvolvimento do país em prol de uma economia menos
dependente do petróleo. Estamos a utilizar os juros do Fundo Petrolífero para
dar resposta às necessidades urgentes em termos de serviços sociais e para
investir em projectos de infra-estruturas de grande dimensão, incluindo um
porto, um aeroporto e uma rede rodoviária nacionais. O nosso projecto mais
excitante, e aquele em que esperamos forjar parcerias com muitos de vós aqui
reunidos hoje, consiste no desenvolvimento da nossa costa sul de forma a
tornar-se um centro regional do sector petrolífero. Este desenvolvimento inclui
a construção de uma Base de Fornecimentos, com novas instalações portuárias e
um aeroporto, uma refinaria com indústrias relacionadas de petróleo e gás, e
uma instalação de Gás Natural Liquefeito. Em todas estas três áreas haverá
também cidades modernas para responder à procura das empresas. Queremos
encontrar parceiros internacionais com conhecimentos especializados. Já
estabelecemos contacto com os nossos vizinhos próximos, o Brunei Darussalam, a
Indonésia e a Malásia, e agora estamos a estabelecer contacto convosco. Muitas
das nações representadas neste Fórum têm décadas de experiência no sector do
petróleo. Tal como vós, acreditamos que as parcerias de negócio se podem tornar
pontes genuínas para a paz e a prosperidade entre o mundo muçulmano e
não-muçulmano. Julgamos saber que este é um dos princípios orientadores do Fórum
Económico do Mundo Islâmico.
Excelências
Senhoras e Senhores,
Infelizmente estamos aqui numa altura
em que o racismo, a intolerância, o extremismo e o conflito aumentam em muitas
outras partes do mundo. É também uma altura e mque a paz não é mais do que um
sonho violento para as populações pobres e deslocadas à força. Dezenas de milhões
de pessoas sofrem actualmente os horrores da guerra, da crueldade absoluta e
das matanças, da exclusão e dos incontáveis abusos perpetrados só neste século
da globalização. Isto traz-me a uma questão que quero levantar, nomeadamente a
da paz enquanto pré-condição para a prosperidade económica. O mundo só consegue
fazer grandes progressos em períodos de paz. Por todo o mundo vemos nações
frágeis e afectadas por conflitos a lutar para manter a ordem e melhorar as
vidas dos seus povos. Estas nações não só dificultam o crescimento económico
mundial, como também o desespero e a marginalização dos seus povos contribuem
para situações de intolerância e extremismo. É por esta razão que Timor-Leste
encetou uma parceria com países em situação de conflito ou pós-conflito e que
procuram fazer a transição para a fase de construção nacional e
desenvolvimento. Do Haiti (nas Caraíbas) à República Democrática do Congo, das
Ilhas Salomão (no Pacífico) à Serra Leoa, do Iémen à Libéria, da República
Centro-Africana ao Sudão do Sul, do Afeganistão a Timor-Leste, somos um grupo
de 20 nações, chamado ‘g7+’,e estamos a trabalhar para garantir que as nossas
vozes são ouvidas nos debates da ONU sobre a agenda de desenvolvimento
pós-2015. O ‘g7+’defende que o novo conjunto de Objectivos de Desenvolvimento Sustentável
inclua um objectivo autónomo sobre ‘sociedades pacíficas e inclusivas, Estado
de direito e instituições capazes.’ Defendemos isto porque sabemos às nossas custas
que um país sem paz e estabilidade não tem hipóteses de se conseguir desenvolver.
De igual modo, sem paz e estabilidade não é possível haver parcerias empresariais
verdadeiras e justas ou um progresso económico sustentável, uma vez que a
política das grandes multinacionais, com o apoio pleno de países desenvolvidos,
consiste justamente em aproveitar a situação de instabilidade em nações pobres
para exercer pressão no sentido de conseguir acordos desonestos e cometer
fraudes em prejuízo dessas sociedades menos desenvolvidas.
Excelências
Distintos participantes
Senhoras e Senhores,
O Dubai orgulha-se da sua reputação de
ser ‘a porta entre o oriente e o ocidente’.Também o Fórum Económico do Mundo
Islâmico está a fazer uma mudança importante ao abrir-se à inclusão de
comunidades muçulmanas fora da Organização para a Cooperação Islâmica e de
outras comunidades não-muçulmanas espalhadas pelo globo. Infelizmente
continuamos a ver como, após a impunidade da ganância e a corrupção do sistema
financeiro internacional, que causaram a Crise Financeira Global, a ténue
recuperação económica só está a beneficiar justamente os responsáveis pelo colapso
financeiro. Assistimos também à inexorável deterioração económica da Europa,
com desemprego elevado e dívidas soberanas esmagadoras. A reacção do Primeiro-Ministro
do Reino Unido esta semana, recusando-se a pagar uma verba adicional de 2,1 mil
milhões de euros para o orçamento da União Europeia e exigindo uma reforma da
UE, é deveras sintomática. Apesar de todos estes tumultos económicos, a
tendência da política mundial actual é de estigmatizar imediatamente
indivíduos, grupos e países como inimigos do mundo livre, medidos contra o peso
dos seus próprios interesses nacionais. Os líderes mundiais, reféns ideológicos
da sua falsa doutrina, não têm pejo em promover a guerra fora dos seus próprios
países e em impor a sua hegemonia militar e económica. Estas abordagens mal
orientadas fizeram com que fosse gasto muito dinheiro sem se chegar a corrigir
os problemas fundamentais a nível político e social em muitos países do mundo.
Pelo contrário, serviram ainda para aumentar a exclusão, o desespero e a
intolerância Estas abordagens mal orientadas não conseguem respeitar os
sentimentos de pessoas, grupos ou tribos. Tudo o que demonstraram ser capazes
de fazer é criar inimigos e alimentar o radicalismo, o que por sua vez conduz
ao extremismo. O problema real é que ninguém é capaz de pôr fim aos conflitos e
que os decisores mundiais não estão interessados em fazê-lo. Estamos a assistir
à deterioração dos valores morais e a uma falta total de humanismo.
Excelências
Senhoras e Senhores,
Este Fórum desempenha um papel
essencial no que diz respeito a encorajar o diálogo e a confiança entre povos e
nações, com vista à nossa prosperidade comum. Reconhece que através do diálogo
empresarial transcendemos diferenças religiosas e políticas e criamos pontes
entre diferentes culturas, religiões e povos. Esta grande cidade do Dubai
constitui o melhor exemplo do que pode ser conseguido com uma visão inspirada e
com a união de pessoas em torno de negócios e da amizade. Acredito que durante
este Fórum, à medida que discutimos tendências e ideias financeiras e
económicas, iremos lembrar-nos de que a fragilidade internacional nos priva a
todos das oportunidades de uma nova prosperidade global através de cooperação
empresarial internacional. Tive o prazer de presidir, com um mandato de um ano,
à Comissão Económica e Social para a Ásia e Pacífico (CESAP), em Banguecoque.
Diz-se que estamos e entrar no Século da Ásia, porém o grande problema
identificado no espectro da Ásia-Pacífico prende-se com a desigualdade dentro
de países e entre países, sendo que todos têm uma necessidade desesperada de
infra-estruturas, energia e telecomunicações, bem como de agricultura, água,
educação e saúde. A questão é que as instituições financeiras internacionais
bem conhecidas não conseguem ajudar os Países Menos Desenvolvidos, ou devido a
falta de fundos ou devido aos critérios difíceis e pouco razoáveis que os
Países Menos Desenvolvidos não conseguem cumprir. No último mês de Julho todos
nós ouvimos o Brasil falar dos BRIC, o que fez muitos países pobres acreditar
em oportunidades. Ainda a semana passada, 21 países assinaram um memorando para
estabelecer o Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas (BAII), o qual
está a ser liderado pela China. Acredito que isto criou um ímpeto importante
pelo qual vários Países Menos Desenvolvidos aguardavam há muito. Espero que
possa trazer esperança aos desesperados. Quando olho para os PIBs dos países
bem-sucedidos, quando abro as páginas da Forbes para admirar a audácia dos
empresários, quando leio sobre pessoas a procurar aumentar os seus ganhos de
capital, quando vejo valores de lucros líquidos, não consigo deixar de pensar
que milhões de pessoas, como nós, morrem de fome, miséria, doença e privação. Já
não há confiança nos padrões internacionais como deveria haver, sobretudo
porque muitos dos países ricos e desenvolvidos violaram os seus valores Alguns
gritam com outros para respeitarem o direito internacional, ao mesmo tempo que
viram as suas costas a esses princípios quando lidam com países frágeis e
fracos. Espero que este 10.º Fórum Económico do Mundo Islâmico possa também abordar
a questão da cooperação Sul-Sul, de modo a reduzir os conflitos e a fomentar a
esperança entre os países pobres e vulneráveis e entre as suas populações. Os
líderes internacionais e nacionais, independentemente da sua fé política e crenças
religiosas e de serem provenientes da sociedade civil ou das academias, precisam
mudar a sua forma de olhar para os problemas no mundo em vias de desenvolvimento.
Esta é uma condição necessária para criar confiança e minimizar as hostilidades.
Acredito também que o sector empresarial precisa começar a reflectir sobre o seu
papel nesta insegurança global e na desigualdade abjecta que se verifica no mundo,
dando as mãos para encontrar pontos comuns entre países e entre diferentes grupos
étnicos e religiosos. O mundo precisa de mais humanismo, convicção, dedicação e
coragem por parte de todos os sectores da sociedade, a fim de promover uma
verdadeira aliança das civilizações e de reconhecer que todos partilhamos a
mesma humanidade e o mesmo futuro.
Apelo a todos vós para que mantenhais
presentes os grandes benefícios da cooperação entre o mundo muçulmano e
não-muçulmano e a experiência de Timor Leste e da Indonésia em busca da
reconciliação e da uma parceria para realizarmos a nossa prosperidade e
solidariedade comuns. A Humanidade precisa de todos vós aqui hoje para
projectar e promover mecanismos inovadores de diálogo e reconciliação em prol
da paz. O Mundo precisa de todos vós aqui hoje para estabelecer uma via que
conduza a parcerias e cooperação.
Muito obrigado.
28 de Outubro de 2014
Kay Rala Xanana Gusmão
Primeiro-Ministro de Timor-Leste